Escrito por Fabiano Formiga
Na medida que íamos em direção a Mazagão Velho, dava pra sentir que estávamos indo a um lugar mágico. Fomos adentrando a floresta e vendo aquelas casas de madeira que só se via em fotos de um norte remoto. Havia uma ansiedade porque tinha ouvido algumas histórias sobre a cidade no dia anterior. Ouvi dizer que a cidade tinha sido uma colônia de uma antiga cidade no país do Marrocos, abandonada por ordem do Marquês de Pombal em 1770 pela possessão portuguesa e que depois, em virtude de uma epidemia, forçou uma evacuação onde ficaram os escravos e formou essa comunidade quilombola de hoje às margens do rio Mutuacá. Acho que esse povo quis mesmo se esconder, porque a vila tem um acesso meio difícil: passamos por dois rios, uma balsa e ainda pegamos uma estrada de barro maldosa. Mas, quando chegamos fomos logo no almoço de dona Carmosina e já deu pra sentir que o lance ia ser roots.
A sesta foi banhada no rio num cenário bucólico amazônico, com famílias se divertindo e se banhando, uma vasta grama verde, uma ponte de madeira e um humilde píer com algumas canoas ancoradas. Enquanto ficava a contemplar esse cenário inspirador, percebi que estava embaixo de uma árvore abençoada por ser uma residência de vários pássaros diferentes, cada um compondo com seu canto uma sinfonia de vastos tons, melodias e texturas harmoniosas. Entretanto, pareciam ser tímidos, pois quando olhava para cima só conseguia avistar uma espécie de pássaro preto com uma faixa amarela no torso. O calor começava a amansar e já estava chegando na hora da montagem do som, mas Joca e o restante do pessoal da produção local chegaram junto de onde eu estava. Alguns instantes antes tinha escutado um canto de arara, estranhei e comentei com eles quão interessante era aquela árvore cheia de ninhos mas não conseguia ver os outros pássaros e mesmo aquela arara que tinha escutado. O Joca então me explicou que era o Japim 'im, pássaro que imitava o canto de outros pássaros e que quanto maior o seu repertório de imitações, mais ele atraía fêmeas da sua espécie. Por coincidência, havia visto há alguns dias no Animal Planet uma matéria justamente sobre essa ave da região Norte do Brasil. E a habilidade dele era tanta que imitava até sons da influência humana na floresta, como máquina de fotografar, sirenes, buzinas e tudo aquilo misturado.
Logo começou a montagem, e o povo já estava intrigado para saber a natureza daquele evento que iria acontecer no meio de rua. Uma carroça, cabeça de boi, máscaras, uma estrutura metálica no meio, tripés para refletores, som, vários cabos percorrendo o chão - o bafafá rolava pela comunidade. Chega o momento do espetáculo. Depois do cavalo marinho usado para aquecer e convidar as pessoas que passavam por ali, dava pra sentir a ansiedade do público: pessoas de todas as idades misturadas e agindo uniformemente, como crianças que presenciavam algo novo e maravilhoso como o teatro, pela primeira vez na vida! No decorrer das cenas, sempre se via a empolgação de todos por assistirem algo tão inovador para eles, e tão envolvente e sincero. Os mais velhos pareciam crianças empolgadas nas cenas com as máscaras e as danças, e as crianças entravam em catarse na cena da mata com aquela luz vermelha e aquelas máscaras assustadoras.
No final, um aplauso caloroso de todos e mais uma missão cumprida!! E mais uma tonelada de equipamento pra desmontar e colocar no caminhão e voltar para o hotel, passar de volta pela balsa e descansar para mais um dia dessa longa turnê pelo Norte. A vontade de voltar pra casa é grande, mas vamos continuar a levar arte e cultura para as comunidades agraciadas pelo projeto, porque como diria João Linhares lá da Paraíba " Ser artista não é apenas um trabalho, é uma missão".
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